Dar sentido à luta das mulheres<br>no nosso tempo

Regina Marques
O XIV Congresso da FDIM realizado em Caracas, de 8 a 14 de Abril, constitui um marco no processo da construção de uma organização internacional de mulheres capaz de dar sentido às aspirações das mulheres do nosso tempo que anseiam por uma sociedade onde seja garantida a cidadania plena, uma sociedade que as respeite e garanta os seus direitos e lhes permita ao mesmo tempo que elas sejam construtoras e não subordinadas. Nele participaram mulheres de 93 países de 146 organizações, sendo 445 delegadas e 409 convidadas. As delegadas eram oriundas de 16 países e representantes de 27 organizações da Africa; de 6 países e 7 organizações da Ásia; de 25 países e 58 organizações da América; de 23 países e 30 organizações da Europa; de 25 organizações de 11 Países Árabes, o que mostra o seu alcance internacional com acrescidas responsabilidades.
O Congresso realizou-se num momento particularmente importante para a Venezuela e para as mulheres do Mundo e foi sem dúvida um acontecimento marcante na vida de uma organização nascida no pós-guerra e que conta já com 62 anos de vida mas que conheceu os sobressaltos dos anos noventa, pelo desmembramento do bloco socialista, que provocaram uma enorme dispersão das organizações femininas e a ruptura de contactos nesta vasta rede internacional levando, inevitavelmente, à perda da sua influência na cena internacional. Para congregar esta importante força social de intervenção constituída por mulheres lutadoras e revolucionárias, cujo lugar é insubstituível no quadro heterogéneo das forças feministas que surgiram, pulverizadas, no panorama internacional nas últimas duas décadas, foi indispensável o esforço de umas tantas organizações, entre as quais, foi ali reconhecido o papel do Movimento Democrático de Mulheres. Porém o Congresso não olvidou o empenho inexcedível de Vilma Espín, Presidente da Federação das Mulheres Cubanas, para manter a chama viva da FDIM. O estado de saúde não a deixou já participar neste Congresso onde teria tido a alegria de constatar não só que a chama se tornou ardente e que no planeta as mulheres mexem e o mundo gira e move-se no sentido da sua transformação, pese embora as permanentes ameaças e bloqueios impostos pelas forças conservadoras e reaccionárias a mando do imperialismo. Este Congresso assumiu por isso um especial relevo como estímulo aglutinador das organizações femininas e feministas que não pararam, e em Caracas deram sinais ao mundo que as forças de transformação social continuam vivas, actuantes e empenhadas. Foi comovente reencontrar líderes deste movimento feminino internacional. Encontrámos entre outras a Fanny da Argentina, antiga secretária geral da FDIM, com quase 90 anos, a Madalena do Uruguay sentada na sua cadeira de rodas, ambas transbordando de felicidade, por verem reagrupadas mulheres de tantas gerações numa onda contagiante de sorrisos, palavras de ordem vitoriosas e cheias de entusiasmo, uma cadeia de abraços solidários entre tantas mulheres comungando do sonho de liberdade, reclamando a justiça social, para si, enquanto mulheres oprimidas e discriminadas, mas também justiça e paz para os seus povos, dizimados por guerras, dizimados e oprimidos por sistemas déspotas que matam pela fome, matam pela destruição da natureza, matam pela ânsia desmedida de poder.
Foi comovente mas desafiador para o nosso combate, aqui em Portugal, testemunhar o papel determinante de tantas mulheres, na revolução venezuelana, na revolução cubana, nas lutas de libertação em África, nas lutas pela melhoria das condições de vida das mulheres, das crianças e dos povos, que, ao longo de suas vidas, tiveram como bandeira de luta a causa libertadora das mulheres e fizeram deste combate a razão das suas vidas.
O Congresso foi memória e foi solidariedade, mas foi também afirmação de vontade e de determinação para a discussão das problemáticas que concernem e preocupam as mulheres do nosso tempo. Em Plenário, no Encontro das Jovens, no Encontro das eleitas ou nos dez grupos de trabalho todas tiveram voz. A delegação portuguesa composta por dezasseis mulheres de todo o País, incluindo dirigentes sindicais, autarcas, dirigentes do MDM e uma eurodeputada, desdobrou-se em contactos, teceu novas relações, apresentou propostas e contribuiu para que as resoluções e os documentos aprovados contemplassem as questões que atravessam a nossa sociedade e pudessem corresponder a uma nova fase desta FDIM que precisa de ser mais interveniente, eficaz e oportuna na denúncia e nas propostas para que mude a vida das mulheres. A Declaração (Final) de Caracas traduz esse espírito. Nela se afirmam princípios muito importantes para a reflexão e para a acção, nela transparece a vivacidade e determinação deste Congresso. Nela se diz que somos e seremos mulheres em luta para transformar o mundo e alcançar o bem-estar sustentável, com justiça económica, social, política e de género, para o que se torna indispensável a luta das trabalhadoras e a luta pelo direito ao trabalho. Nela se afirma a convicção e a força da inteligência e dos afectos para fazer as mudanças. Estamos convictas da nossa força e compromisso com a vida, somos sensíveis à dor dos nossos povos, abrimos os nossos corações, a nossa inteligência, para agir em prol de milhões de seres humanos que necessitam, queremos e faremos a mudança da injusta ordem económica, social, politico e patriarcal, imposta pela globalização neoliberal. Para nós, diz-se ainda, enquanto existirem exploradas e explorados, famintas e famintos, excluídas e excluídos, não haverá paz, por isso é preciso mudar o sistema capitalista, ao mesmo tempo que é necessário mudar a ordem patriarcal para eliminar a assimetria de poder entre homens e mulheres. Queremos um mundo com igualdade entre homens e mulheres, onde a igualdade seja real e efectiva. Condenamos a guerra silenciosa que o grande capital transnacional tem imposto com as suas políticas neoliberais, geradoras de fome, desnutrição, miséria, analfabetismo, desigualdades no mundo, males que nos afectam particularmente a nós mulheres. Condenamos a invasão mediática das transnacionais da informação e a indústria do entretenimento, que pretende eliminar a cultura e a identidade nacional e precisamos de acções decisivas para impedir a destruição do meio ambiente que está a pôr em perigo a vida sobre o planeta. Inseridas em todos os domínios da vida, estamos convencidas que é também a diversidade e a transversalidade que nos dão, a nós mulheres de todas as crenças, idades, cores e sectores a riqueza vulcânica das nossas perspectivas e propostas. É essa diversidade que gera iniciativas criativas, capazes de pôr em causa o modelo único que nos pretendem impôr.
Com o debate de ideias nos grupos de trabalho, forjado numa experiência de décadas de lutas mas ciente das mudanças ocorridas, entretanto, o Congresso aprovou muitas propostas de trabalho e resoluções de solidariedade com vários povos em luta ou ameaçados pelas políticas neoliberais e agressivas do imperialismo que serão instrumentos preciosos para o nosso trabalho, articulados com a nossa luta no nosso País e mesmo na Europa, que como lá dissemos, está longe, muito longe de ser um paraíso. O Congresso admitiu igualmente a necessidade de incorporar a reflexão teórica nesta experiência histórica acumulada. Uma reflexão que se deverá alicerçar na presente situação económica, social, cultural e política de cada continente, de cada região, de cada país. Como tal na Declaração de Caracas assume-se o compromisso que a FDIM deverá proceder a uma reflexão que implique o enriquecimento permanente da nossa prática quotidiana, da sua prática e acção, com vista a elaborar a sua própria teoria diferenciadora das demais. Uma teoria radicada numa prática e acção mas que seja capaz de se apropriar do que é mais avançado do pensamento revolucionário e feminista.
Com estes desígnios deixámos Caracas certas também que este Congresso exprimiu com veemência uma grande solidariedade ao povo da Venezuela e à sua luta revolucionária. Certas também que este Congresso foi uma oportunidade única nas nossas vivências de comunistas. Relembrámos Abril e a Reforma Agrária numa Cooperativa que visitámos, nas orlas de Caracas onde ao trabalho agrícola e têxtil, criado para dar trabalho às mulheres, se alia o centro de saúde, o parque desportivo, a escola de formação profissional e o mercado a preços 40% mais baixos. Sentimos a confiança nos olhos brilhantes daquelas mulheres que nos receberam e a força dos laços que as uniam àquela cooperativa. Actualizámos a esperança que a Venezuela vencerá quando ouvimos e vimos Hugo Chávez que sempre em diálogo afectuoso, simples e bem disposto conversava com o povo. No seu discurso em torno das questões das mulheres, no tempo que dispensou ás delegadas e convidadas do Congresso ou quando na grandiosa manifestação, com o povo pregado no chão e olhos postos nele respondia de quando em vez às suas perguntas, o ouvimos falar sobre os projectos de desenvolvimento social e económico para o seu país, sobre os projectos para assegurar a soberania alimentar e a independência nacional, ou sobre os seus inimigos externos e internos, sentimo-lo verdadeiro, autêntico e atento. Também por isto, seguramente, o XIV Congresso da FDIM em que o MDM participou valeu a pena.


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Névoa sobre o território

Os negócios proporcionados pela construção civil e pelo imobiliário ultrapassam o imaginável. Em poucos anos empresas têm lucros fabulosos por vezes sem terem produzido o que quer que seja. Recorde-se os recentes negócios em volta do Parque Mayer, dos terrenos na Expo ou em Telheiras onde terrenos onde não era previsto construir, portanto quase sem valor, acabaram a ser ocupados por grandes blocos edificados, valorizando-os brutalmente. Há desde empresas mediáticas como a Bragaparques a quase desconhecidos empreendedores como o que há uns tempos atrás, um jornal dito de referência assinalava como um dos homens mais ricos de Portugal, que tinha obtido os seus grossos cabedais em negócios de compra de terrenos de pouco valor acrescentado que subitamente adquiriam fabulosas mais valias por alteração do seu valor de uso. Homens e empresas que fazem chover…dinheiro!